Lançado em março pelo Governo Federal, medida tem objetivo de reduzir a burocracia e ser usada em concursos públicos
O Cadastro-Inclusão é uma ferramenta que possibilitará a emissão de um certificado para comprovar a situação de pessoas com deficiência. Lançado pelo Governo Federal em março, o cadastro tem o intuito de armazenar informações de pessoas com deficiência em todo o país para reduzir a burocracia no requerimento de direitos, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), além de atestados para concursos públicos.
A ferramenta foi idealizada em parceria com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) e o Ministério da Economia.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
De acordo com o Censo de 2010, 45,6 milhões de brasileiros, ou seja, quase 24% da população total, têm algum tipo de deficiência – visual, auditiva, motora e mental ou intelectual. Deste total, 25,8 milhões são mulheres e 19,8 milhões são homens.
Deficiências precisam ser encaradas como características humanas, e não como algo extraordinário
A fonoaudióloga da Coordenadoria de Acessibilidade Educacional da Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades, departamento da Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Vivian ferreira Dias, destaca que iniciativas como esta são bem vindas, pois têm o intuito de sistematizar informações e dados, especialmente para nortear políticas públicas.
“Para além das necessárias políticas públicas, é preciso que as ações e os discursos mudem e que a deficiência seja encarada como uma característica que constitui a humanidade, e não como algo extraordinário ou incomum. Até porque, é uma experiência inerente à vida e, sobretudo, ao envelhecimento”, comenta.
Para ela, a luta anticapacitista – que é a busca por práticas que não atribuem deficiências como sinônimo de incapacidade – deve ser um objetivo comum e as mudanças precisam ser amplas, assim como são políticas públicas e cadastros como esses, mas também devem atingir as práticas mais corriqueiras. Vivian ressalta que a pessoa com deficiência não é exemplo de superação, tampouco coitada, mas sim um sujeito com direitos e deveres.
“E mesmo a criação de um cadastro, que de antemão parece ter apenas aspectos positivos, precisa ser analisada com cuidado, porque o atestado de que uma pessoa tem deficiência tem reflexos múltiplos: garante uma série de direitos – como vagas reservadas em concursos, por exemplo, mas é preciso que a avaliação seja sistematizada de modo que as pessoas que, de fato, vivenciam barreiras, ocupem os espaços que lhe são de direito. Se não houver tal cuidado, pessoas que não vivenciam barreiras podem ser cadastradas como se fossem pessoas com deficiência. O cadastro menciona a avaliação biopsicossocial, o que é um avanço, já que está admitindo que a deficiência envolve múltiplos aspectos, mas é preciso que tal avaliação tenha norteadores claros, homogêneos e seja colocada em prática”, avalia.
Como garantir a efetividade dos dados cadastrados?
O jornalista e professor universitário Luiz Henrique Zart, tem paralisia cerebral e diplegia espástica – que causa alteração de marcha nos membros inferiores. Sendo uma pessoa com deficiência, que será diretamente afetada pelos Cadastro-Inclusão, ele avalia que, à primeira vista, a medida aparenta ser positiva, mas alerta que é preciso estar atento a detalhes relacionados ao contexto em que esta medida acontece.
“Por exemplo: é incontestável que ter informações sobre segmentos da população pode contribuir para criar políticas públicas mais assertivas. Porém, quais são os parâmetros para esses dados? Como eles são sistematizados? Como essa estratégia será realizada e quais as atribuições, por exemplo, do governo com essas informações, desde a esfera federal até a municipal? Como esses conteúdos chegarão e serão geridos pelas secretarias, para chegar efetivamente às pessoas? Há estrutura para isso?”, argumenta.
Zart destaca que apenas “ter uma proposta bonita”, não basta. Ele defende que é preciso sistematizar minuciosamente a forma que tudo ocorrerá. “É preciso avaliar se os dados têm coerência, profundidade, detalhamento; quem pode preencher; como será feito; quais os gargalos, pois há múltiplas formas de deficiência. Afinal, em torno de 45,6 milhões de pessoas têm alguma condição nesse sentido. Como garantir, por exemplo, que pessoas sem deficiência se autodeclarem no cadastro? É um complicador que deve ser considerado. Alerto para isso porque dados, quando distorcem a realidade, podem dizer qualquer coisa – e mesmo serem prejudiciais na tentativa de entender esse cenário”, completa.
Por Núbia Garcia | Agência Adjori/SC de Jornalismo