sábado, abril 20, 2024
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Artigo Gaudêncio Torquato: O BEM E O MAL

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Jair Bolsonaro tem se referido ao pleito eleitoral como uma luta entre o Bem e o Mal. Claro, inserindo-se ele no terreno do Bem e jogando Lula nas trevas do Mal. Em que consistiria essa dualidade? O tema percorre os vastos espaços das reflexões filosóficas, incluindo-se as densas lições de Santo Agostinho em O Livre Arbítrio, obra em que confessa não existir um só autor do Mal.

“A vontade do ser humano é que determina sua escolha em fazer o bem ou mal”. A decisão de realizar ou não alguma coisa, boa ou má ação, depende do que designa de libero arbítrio. Já em A Natureza do Bem, Agostinho diz ter procurado saber “o que era maldade”, não tendo encontrado substância, mas tão somente “uma vontade desviada da substância suprema”.

Fiquemos por aqui no terreno hermenêutico, até porque a tentativa de chegar à origem do Mal tem sido um exercício que exercita filósofos há milênios. Voltemo-nos para a arena dos valores, sob a hipótese de que os nossos quase candidatos (esperando pelas Convenções partidárias), Bolsonaro e Lula, defendem pensamentos opostos sobre múltiplas questões, mas convergem em outras.

O Bem e o Mal seriam, então, os abrigos para os ideários opostos. Mas haveria um habitat que abrigaria ambos.

Comecemos por este. “A Casa Bolula”, como podemos chamá-la, fica no território da intervenção do Estado na vida econômica, exemplo explícito exposto por ambos: o uso da Petrobras para controlar preços dos combustíveis. A chegada do quarto presidente da empresa, Caio Paes de Andrade, foi garantida por Bolsonaro com aquele objetivo. Lula, por sua vez, insinuou que o presidente já poderia ter resolvido o imbróglio dos aumentos constantes com uma canetada.

Como se depreende, a visão de ambos sobre o papel do Estado é convergente no que concerne a uma ação intervencionista, que não esconde filigranas autoritárias de regimes ditatoriais, todos eles localizados na extremidade do arco ideológico e amarrados ao lema de que “O Estado é o Supremo Bem”. No contraponto, o liberalismo, principalmente o filhote mais novo, conhecido pelo adjetivo neo no nome, representa o Mal.

Pelo que se conhece das entranhas mentais de ambos, haveria concordância, ainda, na adoção de medidas para controle dos meios de comunicação, descortinando outro Bem (para eles), a censura. Os totalitários, como se sabe, se ancoram em mídias obedientes, que funcionem como tubas de ressonância de seus feitos e comportamentos. Ventos unidirecionais, puxando loas e hosanas, engrandecem o Estado.

No campo das divergências, as duas casas, separadas por grandes estacas, são habitadas pelas visões sobre a família, a educação, os costumes, o aparato social do Estado, entre outras. Exemplos estão nos painéis temáticos dos últimos tempos. Aborto, por exemplo.

Lula defende liberdade para se fazer aborto. Bolsonaro é contra. Teto de gastos, outro tema. Lula anuncia estourar o teto, escancarando o acesso do crédito às massas, o que fez em seus mandatos anteriores. Bolsonaro, sob o olhar de controle do ministro Paulo Guedes, até gostaria de arrombar os cofres para se reeleger, mas a mídia está de olho, ao lado das organizações sociais.

O socialismo. Aqui, as visões se atracam na arenga expressiva. De um lado, a ameaça comunista, a toda hora anunciada por Bolsonaro, e por ele levada aos ouvidos de Joe Biden, presidente norte-americano; de outro, a defesa de Lula de parceiros de ideias, como Cuba, Venezuela e, quiçá, Nicarágua. Mas Bolsonaro não tem se postado ao lado de Vladimir Putin, o Todo-Poderoso oligarca da Rússia que invadiu a Ucrânia? Mistérios do pragmatismo geopolítico.

Bolsonaro usa a interlocução com Putin para mostrar força e importância no mapa político das Nações no momento em que se vê fragilizado nas arenas nacional e internacional. Afinal, estar ao lado de potências políticas e econômicas, como China e Rússia, confere boas posições no tabuleiro de xadrez.

A partir desses poucos exemplos, podemos ter uma ideia do que é o Bem e o Mal para Jair, do PL, e Luiz Inácio, do PT. Cada qual com seu bornal. Onde cabem o Bem e o Mal.

Nota de pé de página. Sabemos que essa dualidade é plena de vieses. Ao fundo, simpatizantes dos candidatos cantando, em defesa de suas crenças, a música de Caetano Veloso: “Você é minha droga, paixão e carnaval; meu zen, meu bem, meu mal”.

 

Gaudêncio Torquato é jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político 

Twitter@gaudtorquato

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