O que você pediu e se propôs como meta em 2020?
Encontrei as minhas nesse fim de semana. Me peguei rindo por listar algumas coisas tão bobas (mas que faziam sentido, pra época). A gente não fez nossas metas pensando que logo depois uma pandemia se instalaria no mundo, que viveríamos com o simples fato de que sair de casa é um risco pra você mesmo e pros outros.
Claro que pra mim veio um bônus. Minha realidade que já estava torta virou do avesso. Fez com que todos os objetivos que eu tinha me traçado já não importavam mais. Eu me vi com apenas uma meta possível a ser cumprida. E, desde então, trabalho para que ela seja. Sinto meu corpo trabalhando a cada respiro.
Não sei como é estar fazendo um tratamento em um mundo “normal”. Mas como que eu não vou mencionar que isso tudo está acontecendo durante uma pandemia?
Percebi já de cara que, apesar de sempre seguir as recomendações, eu tava lascada. Eu era quem fazia o mercado e outras tarefas da minha casa como de familiares que eram do grupo de risco. Aí me lembrei que o grupo de risco agora era eu.
Bem, não é fácil. Digo agora do tratamento, de descobrir esse mundo de acontecimentos que você não gostaria de fazer parte. Todo dia tem informações novas, seja dos médicos e enfermeiros, seja de pesquisas ou seja do próprio corpo enviando alguns recados.
Nesse contexto você pensa: eu não consigo fazer isso sozinho. É nisso que quero chegar. Não posso sair nem receber visita. Desde o início da pandemia esses encontros não aconteciam, mas a necessidade de contato e carinho hoje é muito maior.
Sem rede de apoio a gente não vai a lugar algum. Uma que te abrace, incentive e te ajude a passar pelo que precisa. A minha foi reduzida a minha família próxima (e não poderia pedir melhor). Mas todos os dias eu penso que poderia estar na casa de algum amigo ou família, poderia fazer uma reunião divertida para comemorar qualquer coisa, ou até viajar só pela vontade de. Sei do quanto isso faz falta para um paciente oncológico. O contato com quem ama. Faz pra mim.
Mas nem tudo é melancolia. Sei que tive algo extraordinário quando senti um amor tão grandioso que passou a tela do meu celular. Nunca vou conseguir explicar a sensação por cada palavra e gesto que se sucederam ao meu primeiro relato. É doido como a gente consegue se fazer presente mesmo de longe.
De forma bem simplificada, minha rotina é baseada em estar em casa. Faço exercícios em casa, estudo em casa, faço compras em casa (obrigada internet). O que ainda não existe na minha realidade é fazer quimioterapia em casa. Sempre penso que, pelo menos, posso sair, ver outras pessoas, quase como um momento de lazer (onde que eu fui parar??).
Fiquei me questionando se eu gostaria que fosse em um momento diferente. Se eu preferiria que o mundo estivesse em seu estado normal durante meu tratamento. E cheguei a conclusão de que é claro, eu preferia ser abraçada por todo mundo e sair sem pensar que uma máscara faz diferença. Mas eu não acho que poderia passar por isso em outro momento.
Estar numa pandemia fez com que eu tivesse a oportunidade de olhar pra mim, de perceber o que estava errado. Não posso ignorar que foi por essa pausa no mundo que eu fui diagnosticada, que meus exames eram agendados e os resultados chegaram tão rapidamente. Que foi por ela que pude começar meu tratamento uma semana depois. Estranho ter a sensação de que deveria agradecer por um momento tão triste e horrível pra tanta gente.
Então, é. Descobri e trato um câncer no meio dessa loucura que o Covid-19 trouxe. Só me resta sentar e escrever minhas divagações por aqui porque pra me ver contando sobre de outra forma vai demorar. (Vem logo, vacina!).
*Este relato integra o projeto “Além do Câncer”, no qual a Barbara Popadiuk conta histórias, reflexões e desabafos de uma garota de 22 anos com câncer de mama. Barbara nasceu em Rio Negro, mas cresceu na Vila Nova, em Mafra. Ela é jornalista, formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e mestranda em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)