quinta-feira, novembro 21, 2024
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Blog Além do Câncer: “A pior parte do meu tratamento até agora”

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A sensação de estar doente permeia todas as suas conversas, escolhas e afins. É impossível não levar em consideração esse fato da sua vida.

A aparência do estar doente, não. Até então, a única amostra de algo diferente em mim era uma pequena cicatriz perto do meu ombro direito, que poderia significar qualquer coisa.

E eu sabia que isso ia mudar. Todo mundo sabe (o básico) do que acontece quando você faz quimioterapia.

“E o seu cabelo? Já sente alguma coisa? Caiu?” É a pergunta que eu mais recebi, e mesmo quando eu não recebia eu sabia que era o que a pessoa tava pensando.

Quando a gente pensa em autoestima e beleza, a gente inconscientemente considera o cabelo. Se a pessoa está com uma cor bonita, se ele está sedoso e brilhante ou com os cachos definidos. É uma das principais características que nosso olhar capta e analisa em outros seres humanos.

Não preciso nem dizer o quanto isso é presente de forma muito mais impiedosa na vida das mulheres, né?

Demorei pra escrever esse texto porque a necessidade de pensar sobre tudo veio muito mais forte. É o momento em que eu me olhei e pensei: pronto, agora eu tenho a aparência de uma pessoa com câncer.

Aconteceu assim:

Desde a primeira quimioterapia eu sentia uma sensibilidade ao toque no couro cabeludo. Era quase que imediato depois que o remédio entrou no meu corpo. Mas passou.

E voltou logo que a segunda foi injetada.

Aí o caos se instaurou. Eu ainda estava aprendendo sobre quais efeitos eu sentia, quando os sentia, como resolvê-los ou amenizá-los. Dois dias depois da segunda sessão eu senti algo diferente.

Protelei lavar o cabelo porque eu sabia que tinha começado. E tinha mesmo. E doía, tanto dentro quanto fora. Doía tocar, eu senti cada fiozinho que se separava da minha cabeça, doía olhar para uma parte minha que estava indo embora, pelo ralo.

Entenda, era óbvio que eu esperava esse momento. Pesquisei sobre ele e vi dezenas de mulheres falando sobre suas experiências. Não era como se eu não tivesse me preparado (ou tentado). Cada pessoa e cada medicamento da quimioterapia funciona de um jeito pra cada um e para cada câncer. Tudo depende.

E com isso, a gente tem esperança de ser a minoria que não passa pela queda de cabelo. Quem não teria?

Este foi o momento mais potente (até agora) do meu tratamento. Foi mais difícil processar do que o diagnóstico. De aceitar e entender. Já não era o bastante parar minha vida, tomar uma centena de remédios, debilitar meu corpo?

Depois da tempestade vem a calmaria, né? Mentira. Fiquei estressada. Quem me conhece sabe que meu mau humor transcende barreiras. Eu não podia fazer nada quanto aquilo, não podia evitar que acontecesse.

Pois bem, tinha algo que eu podia, sim, fazer. Acabar logo com isso. Menos de um dia depois eu já tinha cortado e raspado meu cabelo. Foi doloroso pela sensibilidade, mas um momento muito mais leve do que eu tinha imaginado. Escolhi fazer em casa e minha rede de apoio foi essencial para não reproduzir a cena de Laços de Família (inclusive, tá reprisando na tv! que coincidência da vida..)

Não me odiei. Não vou mentir e dizer então que me amei no primeiro instante. Requer tempo. Foram duas terapias para entender todas as questões que a ação me trouxe, para que eu conseguisse escrever sobre (com certeza, não é algo resolvido e ainda preciso trabalhar muito). Achei que estava perdendo a minha identidade, algo que eu cuidava com carinho. Era meu luto.

Isso não significa que superei e que não penso mais nas partes ruins, ou que não desejo ele de volta. Mas aceitei. Aceitei tanto que nem sei como é ter cabelo ou me preocupar se ele tá no lugar. Ou me preocupar por estar saindo de lenço, peruca, careca. Gente, é libertador! Teria feito em algum momento da vida se não fosse pelo câncer? Duvido muito. Tento considerar como uma experiência.

Perder o controle das coisas que acontecem com a gente é assustador. Obriga a pensar nisso, a aceitar que não temos controle algum. Tudo que eu tinha vivenciado desde o início dessa história eu podia relacionar com qualquer outra coisa e momento da minha vida. Dessa vez, eu não pude. Precisei sentir tudo como a primeira vez. Me permiti sentir. Não foi bonito e inspirador. Foi real. E tá tudo bem.

 

 *Este relato integra o projeto “Além do Câncer”, no qual a Barbara Popadiuk conta histórias, reflexões e desabafos de uma garota de 22 anos com câncer de mama. Barbara nasceu em Rio Negro, mas cresceu na Vila Nova, em Mafra. Ela é jornalista, formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e mestranda em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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